Zeca Camargo

Jornalista e apresentador, autor de “A Fantástica Volta ao Mundo”.

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Zeca Camargo

'Ripley' me transportou de volta à exuberância da Roma dos anos 80

Assistindo à série revi a cidade que conheci garoto, de mochila nas costas

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A competição em San Remo estava apertada em 1983. E quando saiu resultado, como sempre acontece nos festivais, ninguém gostou. Como assim? Premiar uma balada esquecível, "Sarà Quel che Sarà?", e não a música mais bela sobre Roma até aquele início de década?

Eu mesmo, um garoto de mochila pelas ruas da capital italiana, estava indignado. Era minha primeira vez na cidade e eu tinha, naquele inverno, decorado com meu modesto italiano, os versos de "Vacanze Romane", de Matia Bazar, que ficou em quarto lugar.

"Vai Greta Garbo da vaidade, você com o coração na lama", dizia o início do improvável refrão da canção que celebrava o ouro, a prata e o sal de uma cidade "que não tem mais sinos". Inevitavelmente me apaixonei por Roma.

De uma maneira tão intensa que nenhuma outra viagem que fiz para lá conseguiu superar, no que diz respeito ao meu encantamento.

A Fontana di Trevi, em Roma - Marcio Freitas/Folhapress

Voltei a Roma nos anos 1990 a trabalho; em 2015, para uma aventura; em 2019, para uma reparação. Em cada passagem uma tentativa de reviver o deslumbre da minha viagem adolescente à cidade —e,
apesar de ter descoberto coisas incríveis em todas elas, eu sempre voltava meio frustrado.

Onde estava aquela beleza que eu tinha experimentado? A arquitetura imponente, as esculturas ao mesmo tempo austeras e esfuziantes? A sensação de viver uma "dolce vita" (nome também de um dos filmes mais icônicos sobre a cidade) mesmo estando muito distante dela?

Bem, reencontrei tudo isso recentemente, e sem sair de casa. Uma série da Netflix acaba de me transportar de volta à exuberância de Roma e, mais impressionante ainda, faz isso usando apenas duas cores, o branco e o preto.

(Há um discreto vermelho também, mas se eu falar sobre isso vou cometer o pecado do spoiler).

Refiro-me, claro, a "Ripley", o perfeito suspense escrito por Patricia Highsmith nos anos 1950 sobre um mentiroso compulsivo. E eventualmente assassino.

Talvez você se lembre do filme de 1999, "O Talentoso Ripley", com Matt Damon, Jude Law e Gwyneth Paltrow, dirigido por Anthony Minghella. Ou, se for um cinéfilo como eu, já viu até a primeira versão para o cinema da história: "O Sol por Testemunha", de 1960, com Alain Delon no papel principal.

O fascínio pelo personagem criado por Highsmith é tão forte que é praticamente impossível ver qualquer adaptação e não se apaixonar por esse monstro chamado Ripley. Isso vale também para a série da Netflix.

cena de filme
Alain Delon em cena de 'O Sol por Testemunha' (1960), de René Clément - Divulgação

Dirigida por Steven Zaillian, o perturbado protagonista ressurge ainda mais assustador na pele de Andrew Scott. Mas o que quase rouba a cena, nos oito episódios, é a fotografia, assinada por Jeff Russo.

A história começa em Nova York, mas logo vamos com Ripley à Itália, onde visitamos primeiro uma pequena cidade no Mediterrâneo, Atrani. Passamos depois por Nápoles, San Remo, Palermo e Veneza. Em Roma, porém, é que seus olhos explodem com tanta beleza.

Trabalhando, repito, apenas com o branco e o preto, "Ripley" apresenta uma cidade tão surrada por cartões-postais encardidos como se fosse uma cativante desconhecida. Depois da série, Roma renasceu em mim com renovado resplendor.

Não vou entrar na fina trama costurada por Highsmith. Só quero reforçar aqui, no entanto, o poder dessas imagens e a capacidade que os filmes têm de nos fazer redescobrir lugares que já conhecemos.

Mais de um diretor já usou a cidade como pano de fundo, de Federico Fellini a Woody Allen, de Roberto Rossellini a Paolo Sorrentino. Mas foi a Roma imaginada por Zaillian que me fez ter certeza do destino nas minhas próximas férias.

Ecco: Roma!

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